Venda casada e juros abusivos: como o produtor rural pode se proteger

A ação revisional combinado com repetição de indébito é uma ferramenta jurídica que permite aos consumidores questionarem as cobranças que são consideradas abusivas em contratos de financiamento. Dois problemas comuns que frequentemente surgem em relação a esses contratos são a venda casada de seguro e a aplicação de juros remuneratórios e moratórios abusivos.

A venda casada de seguro acontece quando o consumidor é obrigado a contratar um seguro como condição para obter um financiamento, sem ao menos ter a oportunidade de contratar uma seguradora distinta e de sua preferência. Essa prática, além de ser vedada pelo Código de Defesa do Consumidor em seu artigo 39, inciso I (Lei nº 8.078/90), muitas vezes não é transparente, deixando o cliente sem escolhas e gerando custos adicionais que nem sempre ele consegue identificar.

Por outro lado, os juros remuneratórios e moratórios abusivos entram em cena quando os encargos cobrados ultrapassam os limites legais definidos por lei. Isso é especialmente gravoso se identificado em contratos de crédito rural ou financiamentos, onde os juros excessivos podem levar o consumidor a uma situação financeira ainda mais comprometedora.

O objetivo deste presente artigo é abordar esses dois aspectos: até onde vai a legalidade da imposição de seguros nos contratos e como identificar e corrigir a aplicação de juros abusivos. Para isso, será necessário analisar as leis que regulam essas práticas, como o CDC (art. 39, inciso I e art. 42) e o Decreto-Lei nº 167/67, além de analisar o que a jurisprudência tem decidido sobre o tema.

Imposição de seguros: quando é legal e quando é abusiva?

A venda casada de seguros ocorre quando o consumidor é forçado a contratar um seguro como parte de um financiamento, sem ter a liberdade de contratar outra seguradora ou de decidir por não contratar o seguro. Essa prática é evidentemente abusiva e ilegal, conforme se encontra no artigo 39, inciso I do Código de Defesa do Consumidor.

O grande problema é que muitas vezes, o consumidor não tem conhecimento dessa imposição ou não é devidamente informado sobre a possibilidade de contratar uma seguradora diferente. Em muitos contratos, o seguro aparece como uma condição imposta pelo credor para a devida liberação do crédito ou financiamento.

Portanto, a ação revisional c/c repetição de indébito serve para revisar cláusulas contratuais abusivas, como a imposição de seguros, e permitir que o consumidor busque a restituição dos valores pagos indevidamente, e, em alguns casos, até em dobro, conforme estipulado no artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor.

Juros abusivos: onde está o limite?

Outro ponto bastante relevante em contratos financeiros são os juros abusivos, especialmente os juros moratórios (aqueles que são aplicados quando o pagamento é realizado com atraso). Embora existam taxas de juros máximas para diferente tipos de contratos, muitas vezes os juros cobrados excedem o limite legal, agravando ainda mais a situação do consumidor.

Já nos contratos de crédito rural, com a finalidade de custeio de lavouras de soja, milho e bovinocultura, a legislação prevê que a taxa de juros moratórios deve ser limitada a 1% a.a. (ao ano) de acordo com o Decreto-Lei nº 167/67, que diz:

Artigo 5º, Parágrafo único. Em caso de mora, a taxa de juros constante da cédula será elevável de 1% (um por cento) ao ano.

Enquanto os juros remuneratórios (são aqueles que remuneram o credor pelo empréstimo ou financiamento concedido) devem ter um limite de 12% a.a. (ao ano) de acordo com jurisprudências consolidadas, como por exemplo diz o seguinte julgado do TJGO (Tribunal de Justiça do Estado de Goiás):

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – EMBARGOS À EXECUÇÃO – CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO – FINANCIAMENTO DE ATIVIDADE AGRÍCOLA – NATUREZA DE CÉDULA DE CRÉDITO RURAL – TAXA DE JUROS REMUNERATÓRIOS – LIMITAÇÃO EM 12% AO ANO – JUROS MORATÓRIOS – LIMITAÇÃO A 1% AO ANO…

A taxa de juros remuneratórios é limitada em 12% ao ano para as cédulas de crédito rural – Há que se limitar os juros moratórios em 1%, pois, em se tratando de cédula de crédito rural…

No entanto, em muitos contratos, essas taxas estão acima do limite legal, e, em certos casos extrapolam excessivamente esse limite, sendo muitas vezes cobrada o dobro do limite estipulado pela legislação e jurisprudência.

As jurisprudências dos tribunais sobre o assunto, tem sido clara ao reconhecer que a prática de venda casada de seguros e a cobrança de juros abusivos devem ser analisadas e corrigidas para garantir que o contrato não prejudique negativamente e nem indevidamente o consumidor. Nos últimos anos, o STJ  (Superior Tribunal de Justiça) tem reforçado o direito do consumidor de rever as cláusulas abusivas e de obter a devolução dos valores já pagos de forma indevida, especialmente constatado em casos de má-fé por parte das instituições financeiras.

Portanto, a ação revisional c/c repetição de indébito é a principal ferramenta para que seja realizado o ajuste dos contratos abusivos, corrigir valores que foram cobrados de forma excessiva e assegurar o direito do consumidor à restituição de valores pagos indevidamente.

Vale lembra que, embora a ação revisional c/c repetição de indébito ofereça uma via para restituição dos valores pagos indevidamente bem como reduzir os juros que se encontram abusivos, ela não elimina o risco de que, em caso de inadimplência o valor remanescente possa ser cobrado judicialmente. Além disso, deve ser considerado os custos processuais associados à ação.

Se você, produtor rural, suspeita de venda casada de seguros ou de cobrança de juros abusivos, não hesite em buscar seus direitos. Uma ação revisional c/c repetição de indébito pode ser a solução para corrigir cláusulas ilegais, recuperar valores pagos a maior e equilibrar suas finanças.

Consultar um advogado especializado em direito do agronegócio é o primeiro passo para proteger seu patrimônio e garantir a continuidade da sua atividade no campo.

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