Crédito rural em retração histórica: gargalos do Plano Safra empurram produtores para juros de mercado e elevam o risco de saída da atividade

O crédito rural brasileiro atravessa a fase mais crítica desde o Plano Real. Levantamento da Assessoria Econômica da Farsul indica que, no primeiro trimestre da safra 2025/2026 (julho a setembro), houve queda de 23% nos recursos destinados ao custeio e de 44% nos investimentos em nível nacional; no Rio Grande do Sul, as retrações chegaram a 25% e 39%, respectivamente. O quadro traduz um estrangulamento de financiamento que atinge a base do sistema produtivo e se manifesta, sobretudo, na dificuldade de acesso efetivo às linhas equalizadas do Plano Safra.

Na teoria, o Plano Safra é o eixo para que o produtor obtenha previsibilidade de taxas e condições mínimas de planejamento. Na prática, a combinação de envelopes que se esgotam cedo, análise de crédito mais rígida, incrementos de garantias reais e morosidade procedimental cria um funil. Quando o pedido finalmente chega à etapa decisória, é frequente o comunicado de que as linhas equalizadas se exauriram, restando apenas o crédito livre. Nesse desvio de rota, produtores têm sido direcionados a juros de mercado na casa de 15% ao ano, patamar incompatível com a realidade de muitas operações de custeio.

A elevação do Custo Efetivo Total (CET), contudo, não se encerra na taxa nominal. Persistem relatos de venda casada de produtos e serviços, seguros, títulos e pacotes “obrigatórios”, condicionando a aprovação do financiamento, prática vedada pelo ordenamento jurídico e pelas normas do sistema financeiro. A isso se somam despesas de projetistas e intermediários, muitas vezes cobradas como percentual do valor financiado. O resultado é uma escalada silenciosa do CET: o que começa em 15% ao ano, quando somadas as cobranças acessórias e o empacotamento indevido, pode se aproximar de 30%–40% ao ano. Em um ambiente de margens pressionadas e preços voláteis, essa curva de custo inviabiliza o giro de caixa do custeio e desestimula o investimento, com impactos que se propagam à renda no interior, à arrecadação local e à competitividade das cadeias agrícolas.

O risco de saída da atividade deixa de ser hipótese e se torna variável concreta do cenário. Ao se verem no impasse entre endividar-se em condições onerosas ou reduzir o ritmo produtivo para preservar patrimônio, muitos optam por desmobilizar ativos, venda de área, máquinas e rebanho, para honrar compromissos. A retração do crédito, portanto, não é apenas um problema de balanço; é um fator de retração estrutural da oferta futura e de fragilização no campo.

Do ponto de vista jurídico, algumas balizas são incontornáveis. A venda casada é ilegal e pode ensejar revisão contratual e responsabilização. O CET detalhado deve ser fornecido ao tomador, com transparência sobre todos os componentes do custo. A negociação pré-vencimento é a via adequada para repactuar fluxos e alongar prazos quando houver fundamento econômico, evitando a deterioração imediata de adimplência. Em situações-limite, a legislação brasileira contempla instrumentos de reestruturação, como a recuperação judicial, que podem preservar unidades produtivas viáveis, desde que adotados com critério e documentação robusta.

É imprescindível, ainda, recolocar o Plano Safra no trilho do acesso real. Equalização previsível, critérios claros de priorização e respeito às regras de concorrência formam o tripé para que os recursos cheguem, de fato, à ponta que produz. Enquanto o funil persistir, a migração forçada para o crédito livre continuará transferindo risco sistêmico ao produtor — elo menos capaz de precificar e absorver o custo financeiro extraordinário.

A diferença agora é a velocidade com que o crédito sumiu e o tamanho da conta para quem ficou do lado de fora do Plano Safra. Se nada for ajustado, veremos mais porteiras se fechando, não por falta de trabalho, mas por falta de crédito minimamente justo. E isso tem nome, CPF e história: famílias inteiras que, sem acesso às linhas equalizadas, são empurradas para juros de mercado que começam em 15% e, na prática, escalam para perto de 40% ao ano com custos acessórios. O Brasil não pode se dar a esse luxo.

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