A alienação fiduciária de imóvel rural é um tema que tem gerado debates e inseguranças para muitos produtores rurais. Trata-se de uma forma de garantia contratual bastante comum nos financiamentos imobiliários urbanos, prevista na Lei nº 9.514/1997, na qual o produtor transfere a propriedade do imóvel ao banco ou instituição financeira até que a dívida esteja completamente quitada. Na cidade, esse tipo de contrato se tornou padrão, mas no campo, a situação é diferente e exige atenção redobrada.
Quando a alienação fiduciária entra no universo rural, não basta seguir apenas essa lei. É necessário observar um conjunto de normas que protegem quem vive e trabalha na terra. A Constituição Federal de 1988, por exemplo, garante que toda propriedade rural deve cumprir uma função social, o que significa que ela precisa estar voltada à produção, ao trabalho, à moradia, à preservação ambiental e ao respeito aos direitos dos trabalhadores. Não se trata apenas de um imóvel, é o sustento de uma família, o motor da economia local e parte fundamental da segurança alimentar do país.
Além disso, a própria Constituição afirma, no artigo 5º, inciso XXVI, que a pequena propriedade rural, quando explorada pela família, não pode ser penhorada. Ora, se não pode ser penhorada, como poderia ser tomada pelo banco por meio de alienação fiduciária? Essa é uma das grandes discussões atuais no meio jurídico, e muitos juízes já vêm reconhecendo que esse tipo de garantia não pode ser aplicado de forma indiscriminada no campo, especialmente quando ameaça a continuidade da produção ou coloca em risco a subsistência de quem vive da terra.
As garantias fiduciárias em contratos rurais devem ser observadas com cautela, considerando não apenas a segurança jurídica do credor, mas também a proteção da função social da terra e o direito à subsistência da família rural. A legislação e a jurisprudência brasileiras buscam equilibrar os interesses dos produtores rurais e dos financiadores, garantindo que a alienação fiduciária não seja utilizada de maneira que prejudique a atividade agrícola ou a segurança alimentar das famílias que dependem da terra para viver.
Muitas vezes, o produtor busca financiamento para investir na lavoura, comprar insumos, renovar maquinário ou enfrentar os desafios de uma safra difícil. É nesse momento que surgem contratos com cláusulas que transferem a propriedade da terra ao banco em caso de inadimplência. O problema é que, se o imóvel rural for a única fonte de renda e moradia da família, a execução dessa garantia pode gerar um impacto devastador: não apenas a perda do patrimônio, mas a destruição do modo de vida do produtor e de sua família.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem analisado cada vez mais esses casos e reconhecido que a alienação fiduciária não pode ferir o princípio da função social da terra. Se o imóvel é essencial para a produção agrícola ou para a sobrevivência familiar, esse tipo de contrato pode ser considerado nulo ou inválido. Ou seja, mesmo que o contrato tenha sido assinado, ele não tem validade legal se contrariar os preceitos constitucionais.
Outro ponto importante é que, mesmo quando o contrato tem como objetivo viabilizar a atividade agropecuária, ele precisa respeitar os limites da legalidade. Não é admissível que o produtor perca sua propriedade por conta de uma cláusula abusiva ou de um procedimento que desrespeite o valor social e produtivo da terra. O que está em jogo não é apenas um bem, mas todo um modo de vida, uma cadeia de produção e o sustento de uma comunidade.
Por isso, é essencial que os produtores estejam atentos aos contratos de financiamento e, antes de assinar qualquer documento que envolva alienação fiduciária de imóvel rural, procurem orientação jurídica especializada. Cada caso deve ser analisado com muito cuidado, considerando a realidade da propriedade, sua função produtiva e a dependência familiar em relação à terra.





