A Lei nº 14.905/2024, sancionada em 30/08/2024 e vigente desde então, promoveu significativa alteração no regime jurídico aplicável à taxa de juros moratórios nas obrigações civis, ao conferir novo significado ao artigo 406 do Código Civil.

Nos termos do referido dispositivo, quando os juros moratórios não forem convencionados pelas partes ou o forem sem a fixação de uma taxa específica, aplicar-se-á a taxa legal definida pelo Banco Central do Brasil, a qual é estabelecida com base em parâmetros técnicos e objetivos, refletindo os indicadores econômicos oficiais do país.

A alteração legislativa representa importante avanço na sistematização do direito obrigacional, ao solucionar antiga controvérsia doutrinária e jurisprudencial acerca da taxa aplicável na ausência de estipulação contratual, afasta a aplicação automática e generalizada do percentual de 1% ao mês, até então utilizado como critério supletivo, mesmo sem previsão legal expressa.

Com a entrada em vigor do novo regramento, o uso da taxa legal fixada pelo Banco Central torna-se obrigatório, devendo ser observada em todos os cálculos judiciais em que inexista convenção específica entre as partes.

Ademais, a Lei nº 14.905/2024, ao modificar o regime dos juros legais e da correção monetária para os casos omissos, por ter entrado em vigor na data de sua publicação, aplica-se de forma imediata. Sua incidência alcança não apenas relações jurídicas futuras, mas também aquelas já consolidadas, inclusive em fase de cumprimento de sentença.

Isso se justifica porque, quando o título executivo — judicial ou extrajudicial — não define expressamente os índices de correção ou as taxas de juros, há remissão genérica à legislação vigente no momento da execução.

Nessas hipóteses, a aplicação da nova lei não representa violação ao instituto da coisa julgada, pois não há modificação do conteúdo decisório da sentença, mas apenas adequação da execução aos parâmetros legais então vigentes.

Na verdade, a aplicação da taxa legal (subtração entre a variação do IPCA-15 e a taxa Selic) mostra-se favorável ao devedor, considerando que atingiu 0,9% em apenas uma ocasião desde agosto de 2024. Nos demais meses, manteve-se na média de 0,6%. Em dezembro de 2024, a taxa foi de aproximadamente 0,17%, o que representa impacto mínimo sobre o valor original da dívida.

No contexto do agronegócio, essa mudança normativa assume contornos ainda mais relevantes. É recorrente, na prática, a simulação de operações regulares para encobrir agiotagem praticada por pessoas físicas ou jurídicas não autorizadas a conceder crédito, por meio de contratos de mútuo rural com destinação pecuária e outros títulos extrajudiciais.

Nesses instrumentos, os juros remuneratórios já estão embutidos no valor total do título, mascarando a incidência de taxas superiores às legalmente permitidas. Trata-se, portanto, de prática que pode ser judicialmente contestada com fundamento na Lei da Usura (Decreto nº 22.626/1933), que possibilita a descaracterização dos juros remuneratórios em razão da ilicitude da operação.

Com a vigência da nova norma, os produtores rurais lesados por esse tipo de relação abusiva passam a dispor de mais um instrumento de defesa. Isso porque, na ausência de cláusula expressa sobre os juros moratórios, a aplicação da taxa legal vigente pode resultar em significativa redução da dívida executada, contribuindo para mitigar os efeitos econômicos da agiotagem privada.

Desse modo, além de uniformizar o regime dos juros legais no país, a Lei nº 14.905/2024 atua indiretamente no combate a práticas ilegítimas de crédito, promovendo maior equilíbrio e justiça nas relações obrigacionais.

No meio rural, onde o acesso ao crédito formal ainda enfrenta barreiras operacionais e burocráticas, a nova legislação enfraquece os mecanismos paralelos de financiamento, frequentemente praticados à margem do sistema financeiro.

Pequenos e médios produtores, com menor poder de negociação e, muitas vezes, submetidos a condições contratuais unilaterais e onerosas, passam a contar com parâmetro objetivo e legalmente imposto para os encargos moratórios. Essa previsibilidade confere maior segurança jurídica às relações, inibe abusos e permite que o produtor rural compreenda melhor o custo real da dívida em caso de inadimplemento.

Além disso, a aplicação da nova taxa legal desestimula a formalização de contratos com cláusulas ocultas ou genéricas sobre a incidência de juros moratórios, prática comum em contextos de desequilíbrio contratual.

No setor do agronegócio, onde a simulação de operações visa disfarçar a agiotagem sob aparências juridicamente aceitáveis, a Lei nº 14.905/2024 representa um avanço indireto, ao limitar os efeitos de cláusulas abusivas e impor maior controle sobre a cobrança de encargos moratórios.

Embora não aborde diretamente a questão da agiotagem, a norma enfraquece os mecanismos que perpetuam essa prática ao estabelecer um referencial oficial, objetivo e previsível para os juros moratórios, o qual pode ser invocado judicialmente para revisar valores excessivos mascarados sob a aparência de legalidade.

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