A agricultura transformou a história humana, permitindo que vilarejos e cidades se formassem há mais de doze mil anos. Hoje, a agricultura continua essencial, sendo responsável pela produção dos alimentos que chegam às nossas mesas e sustentam milhões de famílias.

No Brasil, o agronegócio também teve um papel fundamental ao longo dos anos, transformando pequenos vilarejos em grandes centros produtivos. Cidades como Dourados (MS), Rio Verde (GO), Barreiras (BA), Uberlândia (MG) e Rondonópolis (MT) destacam-se pelo impacto econômico e geração de empregos no setor.

Entretanto, o setor agrícola brasileiro enfrenta uma crise econômica e ambiental grave, impactado por queimadas, mudanças climáticas e pressões econômicas. A produção de grãos como soja e milho pode enfrentar seu pior desempenho em 25 anos, de acordo com algumas projeções. [1]

Dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (CEPEA) da Esalq/USP mostram essa situação: o PIB do agronegócio brasileiro caiu 1,22% no segundo trimestre de 2024, acumulando queda de 5,1% no ano. O setor pecuário teve uma leve redução de 1,2%, apesar do crescimento de 0,5% no ano, impulsionado pela agroindústria e agrosserviços.

Recuperação Judicial: uma alternativa para o produtor rural em crise

Diante dessa conjuntura, muitos produtores têm recorrido à recuperação judicial (RJ) para lidar com dívidas e tentar manter suas operações. A recuperação judicial é uma ferramenta legal para empresas em dificuldades financeiras e, desde 2021, os produtores rurais também podem utilizar essa opção para reestruturar suas finanças.

Recuperação Judicial e a Proteção dos Bens Essenciais

Um dos principais questionamentos na recuperação judicial é a definição de bens essenciais para a produção agrícola. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) entende que bens essenciais são, em geral, maquinários, veículos, silos e outros equipamentos indispensáveis (REsp 1.758.746/GO, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 25/09/2018). Contudo, o STJ não considera o grão, ou seja, o produto final da colheita, como um bem essencial. Na visão do STJ, a produção de grãos, portanto, pode ser objeto de penhora (REsp 1.991.989/MA, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 03/05/2022).

Por outro lado, alguns tribunais estaduais, como o Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO), têm uma abordagem mais flexível. Em uma decisão recente, o TJ-GO impediu a penhora de uma grande quantidade de soja de um produtor em recuperação judicial, argumentando que tal penhora comprometeria a continuidade das atividades do produtor e, consequentemente, a recuperação da empresa (Agravo de Instrumento nº 5453447.63.2023.8.09.0082, TJ-GO, Rel. Desembargador Ricardo Prata, 7ª Câmara Cível, publicado em 23/11/2023).

Cédula de Produto Rural (CPR) e Recuperação Judicial

A Cédula de Produto Rural (CPR) representa outra questão relevante para produtores. A CPR é um título de crédito que garante aos credores o pagamento com a produção. Contudo, por se tratar de um crédito extraconcursal, ele não é sujeito ao processo de recuperação judicial, ou seja, os produtos vinculados à CPR ainda podem ser cobrados pelos credores mesmo que o produtor esteja em recuperação judicial (Lei nº 8.929/1994, art. 11). [2]

A Importância de Avaliar Cada Caso

Embora o STJ adote uma visão restritiva, alguns tribunais estaduais consideram, em casos específicos, que os grãos podem ser fundamentais para o produtor rural em recuperação judicial. Essa abordagem visa garantir que o produtor use sua colheita para sustentar sua operação e honrar suas dívidas, sem comprometer totalmente a produção.

Essa proteção é vital para o agronegócio, pois garante empregos e possibilita a continuidade das atividades. Para produtores em dificuldades, o auxílio jurídico especializado é essencial para explorar as possibilidades de proteção de seus bens e a viabilidade do uso de grãos no processo de recuperação judicial.

Conclusão

A recuperação judicial é uma ferramenta essencial para produtores rurais que enfrentam dificuldades financeiras. Contudo, é fundamental entender as limitações, como a definição de bens essenciais, que pode variar conforme o tribunal e o caso específico. A flexibilidade dos tribunais estaduais é um fator importante para que a recuperação judicial seja viável e permita a continuidade do agronegócio.


[1] MARMO, Leandro. Crise no agro: A recuperação judicial é a solução? Migalhas. Publicado em 17 de abril de 2024. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/405562/crise-no-agro-a-recuperacao-judicial-e-a-solucao.

[2] Art. 11. Não se sujeitarão aos efeitos da recuperação judicial os créditos e as garantias cedulares vinculados à CPR com liquidação física, em caso de antecipação parcial ou integral do preço, ou, ainda, representativa de operação de troca por insumos (barter), subsistindo ao credor o direito à restituição de tais bens que se encontrarem em poder do emitente da cédula ou de qualquer terceiro, salvo motivo de caso fortuito ou força maior que comprovadamente impeça o cumprimento parcial ou total da entrega do produto.       (Redação dada pela Lei nº 14.112, de 2020)

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