Nos últimos meses, o tema das recuperações judiciais (RJ) no agronegócio tem ganhado destaque, frequentemente acompanhado de críticas pesadas aos produtores rurais. Muitos têm sido rotulados como os grandes responsáveis pela fragilidade econômica que se aproxima, como se a decisão de entrar com um pedido de RJ fosse sinônimo de má-fé ou irresponsabilidade financeira. No entanto, essa narrativa não só é injusta como também desconsidera a realidade mais ampla e complexa do setor.

A verdade é que o agro brasileiro enfrenta um momento delicado. Os anos de 2025 e 2026 tendem a manter — ou até ampliar — o número de recuperações judiciais, impulsionadas por dois fatores principais:

Endividamento elevado dos produtores rurais;

Alta da taxa SELIC, que reduziu drasticamente as margens de lucro, tornando inviável a quitação de dívidas apenas com a produção.

Plano Safra mais caro da história, por conta dos juros, insegurança econômica e crédito cada vez mais exigente.

Produtores que investiram, expandiram suas atividades e correram riscos típicos do negócio se viram sufocados por um sistema financeiro que hoje absorve praticamente toda a sua receita, restando poucas alternativas a não ser vender parte ou toda a sua propriedade — ou buscar a recuperação judicial.

Apesar de ser uma ferramenta jurídica legítima e essencial para a reestruturação financeira de empresas e indivíduos em dificuldades, a recuperação judicial no agro ainda carrega um forte estigma social. Muitos produtores deixam de recorrer a esse instrumento por medo de serem chamados de “caloteiros” ou de “mancharem sua honra”.

Circula o argumento de que as RJs no campo irão “quebrar a economia”, como se o pequeno ou médio produtor rural, afogado em dívidas de R$ 20, 30 ou até 50 milhões, fosse o vilão do sistema. Essa visão ignora completamente o peso real da inadimplência no Brasil e os grandes protagonistas por trás dos maiores pedidos de RJ no agro.

Se formos olhar para os maiores casos de recuperação judicial no agronegócio, veremos que não são pequenos produtores os maiores responsáveis pelos desequilíbrios financeiros no setor. Abaixo, alguns exemplos que demonstram a verdadeira escala de endividamento no agro:

Agrogalaxy Participações – R$ 4,67 bilhões – Goiânia (GO)

Grupo Patense – R$ 2,15 bilhões – Patos de Minas (MG)

Grupo Montesanto – R$2,13 bilhões – Belo Horizonte (MG)

Sperafico Agroindustrial – R$ 1,07 bilhão – Toledo (PR)

Usina Maringá e Indústria Comércio – R$ 1,02 bilhão – Santa Rita do Passa Quatro (SP)

Elisa Agro Sustentável – R$ 679,6 milhões – Aruanã (GO)

Usina Açucareira Ester – R$ 651,7 milhões – Cosmópolis (SP)

Grupo AFG – R$ 648,5 milhões – Cuiabá (MT)

Grupo Portal Agro – R$ 548,8 milhões – Paragominas (PA)

Grupo Libra Bioenergia – R$ 534,7 milhões – Cuiabá (MT)

Grupo Cella – R$ 327,6 milhões – Cuiabá (MT)

Esses números mostram que as grandes recuperações não vêm do interior do país, de pequenos produtores isolados, mas sim de conglomerados agroindustriais com dívidas bilionárias.

De um total de 3,5 milhões de produtores rurais endividados, podemos considerar que a RJ seria a alternativa adequada e necessária para a reestruturação financeira de ao menos 30 mil produtores, todavia, apenas 127 recorreram à recuperação judicial em 2023, o que representa meros 0,4%. Este dado sugere que a recuperação judicial é uma opção pouco acessada e frequentemente vista como um último recurso. Ou seja, a maior parte da inadimplência no agro sequer entra em recuperação judicial. Os produtores simplesmente ficam inadimplentes, o que gera um impacto muito mais relevante na economia: eleva spread bancários, reduz a oferta de crédito e afeta diretamente o ambiente de negócios.

Culpar o produtor rural que recorre à RJ — tentando salvar sua produção e manter seu patrimônio familiar — é ignorar que o problema é sistêmico e que a ferramenta da recuperação judicial é apenas uma tentativa de organizar a crise, não a sua causa.

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