Os produtores rurais geralmente não percebem uma fase inicial de declínio, seja pela negação, por questões emocionais ou pela falta de ferramentas de monitoramento financeiro e de desempenho. Por esse motivo, uma dificuldade que inicialmente poderia ser temporária pode, se não tratada adequadamente, se aprofundar e evoluir para uma crise financeira.
Esse momento age como um efeito dominó: a crise se desencadeia quando o fluxo de caixa não consegue mais sustentar as obrigações financeiras — resultando em atrasos no pagamento das dívidas com bancos, fornecedores, impostos e, em alguns casos, até o pagamento dos funcionários. Cumprindo esse cenário, o impacto é imediato, atingindo diretamente a remuneração do produtor rural e da administração.
Não é surpresa que o produtor rural enfrente uma série de desafios em seu cotidiano, desafios esses que podem resultar tanto no aumento das ações individuais de execução quanto no crescimento dos pedidos de recuperação judicial no setor do agronegócio.
Recentemente, o país enfrentou a pior seca de 2024, considerada a mais extensa e severa já registrada, superando a estiagem de 2015, conforme dados do Centro Nacional de Monitoramento de Desastres Naturais (Cemaden). Esses eventos climáticos impactam diretamente a produtividade agrícola e geram incertezas que, quando não antecipadas, podem comprometer seriamente o fluxo de caixa e a rentabilidade da atividade rural.
Além disso, é válido mencionar a devastadora enchente no Rio Grande do Sul em 2024, que causou prejuízos imensos. O nível do Guaíba em Porto Alegre alcançou 4,77 metros, superando o recorde histórico de 1941. As chuvas intensas e as enchentes alteram drasticamente a logística da produção, danificam colheitas e geram perdas financeiras imprevisíveis, impactando gravemente o setor rural.
Sob a perspectiva socioeconômica, esse cenário se agrava com o aumento dos custos de produção, impulsionado pela elevação dos preços de insumos essenciais como fertilizantes, combustíveis e rações, o que pressiona ainda mais as margens de lucro do produtor rural. Outrossim, a queda nos preços das commodities, como soja, milho e carne, tem reduzido a receita líquida, dificultando a geração de caixa suficiente para honrar as obrigações financeiras da propriedade.
O quadro é ainda mais desafiador do que o habitual, o que exige do produtor rural uma gestão proativa e resiliente, capaz de antecipar riscos e adotar medidas para mitigar os impactos dessas variáveis, assegurando a continuidade e a sustentabilidade de sua atividade.
Dessa forma, para evitar essa reação em cadeia, a primeira medida é entender que sinais de declínio ou instabilidades financeiras podem se manifestar muito antes da crise. Manter o controle constante dos indicadores financeiros e operacionais e ter uma visão prática e realista do negócio ajuda a evitar esse momento crítico. Ao primeiro sinal de dificuldades, a atividade rural deve se preparar para uma fase de estabilização, onde medidas iniciais de contenção serão aplicadas.
Diagnóstico inicial: identificando sinais de crise financeira
Um processo de reestruturação e recuperação de uma empresa que está enfrentando dificuldades financeiras – chamado turnaround – começa por um diagnóstico inicial, apurando as principais causas raiz das suas dificuldades.
Essa fase envolve uma análise simples, mas detalhada, começando com conversas diretas com o produtor para entender os desafios e a situação da propriedade e os principais entraves da sua atividade rural. Esse processo inclui:
· Avaliação financeira: Identificar o nível de endividamento e a capacidade de geração de caixa de curto prazo.
· Revisão operacional: Verificação dos processos de produção, uso de recursos, práticas agrícolas e gestão de insumos.
· Análise de mercado: Estudo da demanda local pelos produtos, preços praticados e possibilidades de diversificação.
· Avaliação de gestão: Análise da capacidade do produtor em gerir a propriedade, planejar atividades e tomar decisões estratégicas.
Esse diagnóstico permite identificar as principais dificuldades e desenvolver soluções práticas e eficazes para melhorar a rentabilidade e sustentabilidade do pequeno, médio e grande produtor.
Estabilização financeira em casos de crise de liquidez
Quando a crise se instala, um dos principais efeitos é a crise de liquidez. Isso ocorre quando um produtor rural não tem recursos em caixa disponíveis de imediato para pagar suas obrigações financeiras essenciais.
Desse modo, o enfrentamento dessa fase exige um gerenciamento de caixa focado para superar a crise. Para isso, os métodos mais comuns são a revisão e corte de despesas, priorizando apenas os pagamentos essenciais para a continuidade da operação.
Além disso, é importante negociar com os credores, buscando uma trégua ou prorrogação das dívidas para evitar novas cobranças e ganhar tempo para reestruturar a situação financeira. Também é necessário suspender investimentos e despesas não essenciais, direcionando todos os recursos para as áreas mais críticas da propriedade.
Durante esse período, a comunicação com os credores e demais partes envolvidas deve ser transparente, explicando claramente o plano e as ações que estão sendo tomadas para superar a crise.
Por fim, uma orientação sobre direitos e deveres legais, estrutura as medidas de recuperação conforme a legislação e garante uma comunicação clara com as partes envolvidas. O suporte jurídico assegura que o processo de recuperação seja eficiente e esteja em conformidade com a lei.
Alternativas e Implementação da Reestruturação Financeira
Após a estabilização, o produtor rural deve avaliar se o negócio tem potencial para recuperação ou se alternativas como a venda de ativos ou liquidação precisam ser consideradas. Caso a recuperação seja viável, a reestruturação financeira deve ser baseada em uma análise detalhada da capacidade de geração de caixa, incluindo:
· Negociação de Dívidas: Refinanciar a dívida de acordo com o fluxo da caixa projetada.
· Redução de Custos: Cortar despesas, incluindo o fechamento de unidades ou linhas de produtos deficitárias.
· Prorrogação das dívidas: Prorrogar os contratos passíveis de prorrogação, nos casos em que atendidos os requisitos previstos no Manual do Crédito Rural (MCR 2.6.4).
Elaboração do plano de negócios para reestruturação e recuperação do empreendimento rural
Um plano de negócios bem-feito é essencial para a recuperação da atividade rural e deve ser elaborado com o apoio de especialistas. Essa análise abrange o passado, o presente e as projeções futuras da atividade, oferecendo uma visão completa para orientar as decisões e ações necessárias.
O primeiro ponto é entender o seu negócio. O produtor pode começar avaliando os últimos anos de produção. Por exemplo, se a receita com grãos diminuiu nos últimos dois anos, ele precisa entender se isso foi causado por fatores como clima, queda de preço no mercado ou aumento dos custos de produção (como fertilizantes). Isso ajuda a identificar o que precisa ser ajustado para melhorar a rentabilidade.
No que diz respeito aos fatores externos, é fundamental entender as tendências do mercado em que se está inserido. Isso inclui pesquisar as previsões de preços de produtos como soja ou milho para o ano seguinte, identificar a presença de novos concorrentes na região e explorar possíveis novos mercados de exportação. Além disso, é importante acompanhar as políticas governamentais, como subsídios ou mudanças fiscais, que possam impactar diretamente a atividade rural.
Por fim, é necessário se planejar para o futuro. O produtor pode realizar estimativas simples, como calcular a quantidade necessária de produção para cobrir suas dívidas e garantir o pagamento dos fornecedores. Caso precise de mais capital, o produtor pode buscar linhas de crédito específicas para a recuperação da propriedade, garantindo a continuidade das operações.
Dessa forma, o plano de negócios deve estabelecer metas claras de geração de caixa, com prazos definidos para cada etapa do turnaround. Esse plano funciona como um guia tanto para o produtor rural quanto para os credores, apresentando de forma transparente as estratégias e ações necessárias para a recuperação da atividade rural.
Como aplicar essas diretrizes na prática
Em conclusão, todas as medidas citadas anteriormente pode ser aplicadas de três formas com o objetivo de contribuir para o soerguimento das atividades do produtor rural: a recuperação fora do contexto judicial, que é uma negociação direta com os credores, mais simples e barata, mas com menos poder de negociação; a recuperação judicial, que acontece no âmbito judicial e oferece vantagens como a suspensão das cobranças por até 180 dias, podendo ser prorrogada por autorização judicial; e a recuperação extrajudicial que combina negociações fora do tribunal com a possibilidade de homologação judicial.
A escolha entre essas opções depende do tipo de endividamento, dos credores e da situação financeira da propriedade, com cada uma oferecendo benefícios diferentes conforme a necessidade do negócio.
A escolha do método depende da complexidade do endividamento, do perfil dos credores e da situação financeira da empresa. Cada uma dessas opções tem suas vantagens e deve ser considerada conforme a necessidade e opções do negócio.
CONCLUSÃO
Em conclusão, a recuperação financeira do produtor rural exige uma abordagem estratégica e bem planejada, com foco em renegociar dívidas, controlar o fluxo de caixa e ajustar as operações conforme a capacidade financeira da propriedade.
Além disso, a transparência nas negociações e o envolvimento ativo dos produtores rurais são essenciais para gerar confiança nos credores e parceiros, criando um ambiente colaborativo para a reestruturação. Com o devido planejamento e comprometimento, o produtor rural pode superar os desafios financeiros e retomar o crescimento sustentável de suas atividades.
Referências bibliográficas:
MILESE, Salvatore. Reestruturação de empresas: como recuperar e reerguer negócios / Salvatore Milanese [et. al.] – 1ª Ed. – São Paulo: Matrix, 2016.