Venda casada no crédito rural: O que é, por que é problemática e como se proteger

A contratação de crédito para a atividade rural é essencial para produtores que buscam investimento em custeio, comercialização ou modernização. No entanto, existe uma prática abusiva, a chamada venda casada, que pode comprometer financeiramente o agronegócio e violar direitos legais dos produtores. Neste artigo, vamos analisar com profundidade o que caracteriza venda casada no crédito rural, a base legal, as consequências para quem contrata e como agir para evitar ou questionar essa prática.

O que é “venda casada” no contexto do crédito rural?

A expressão “venda casada” refere-se à situação em que uma instituição financeira ou credora condiciona a concessão de um produto (neste caso, o crédito rural) à contratação obrigatória de outro produto ou serviço, como seguro, aplicação, título de capitalização, entre outros. 

No contexto do crédito rural, isso ocorre quando, por exemplo, o produtor rural vai solicitar um financiamento e o banco exige que ele contrate um seguro ou aplique em determinado instrumento financeiro para liberar o crédito. Venda casada é quando a liberação do crédito fica condicionada à contratação de outro produto ou serviço da instituição ofertante.

Entretanto, nem toda exigência de contratação de serviços vinculada ao crédito rural configura venda casada, o que torna crucial a análise da legislação específica.

A base legal e regulatória aplicável

Código de Defesa do Consumidor (CDC)

A Lei nº 8.078/1990 (CDC) proíbe expressamente no seu artigo 39, inciso I, que o fornecedor condicione produto ou serviço à aquisição de outro produto ou serviço. Além disso, a prática pode configurar infração à ordem econômica, conforme a Lei nº 12.529/2011, art. 36, § 3º, XVIII. 

Legislação específica do crédito rural

A atividade de crédito rural no Brasil é regulada por normas específicas. Entre elas:

  • A Lei nº 4.829/1965, que trata do crédito rural.
  • O Decreto‑Lei nº 167/1967, relativo à cédula de crédito rural.
  • O Manual de Crédito Rural (MCR) e resoluções do Banco Central do Brasil que disciplinam as operações.

Direito de escolha da seguradora

Importante destacar o art. 25 da Lei nº 4.829/1965 (com redação dada pela Lei nº 13.195/2015) que garante ao produtor o direito de escolher a seguradora e de não ser obrigado a contratar empresa indicada pela instituição financeira.

Por que a venda casada no crédito rural é problemática?

Elevação do custo efetivo total (CET)

Quando uma instituição obriga o produtor a contratar serviços ou produtos adicionais, que muitas vezes geram comissões ou tarifas embutidas, o custo total da operação de crédito rural aumenta. Isso onera o produtor e pode comprometer a viabilidade econômica da atividade.

Distorção da finalidade do crédito rural

O crédito rural tem caráter social e de fomento à produção agrícola. Quando se introduzem exigências auxiliares que condicionam sua concessão, acaba-se distorcendo esse intuito ao transformar o fomento em meio para comercialização de produtos financeiros. 

Violação de direitos do produtor

Se o produtor for obrigado a contratar algo contra sua vontade ou sem ter escolha real, por exemplo, não receberá alternativas de seguradora, isso constitui violação dos seus direitos e pode levar à nulidade da contratação ou restituição de valores indevidos. Exemplos recentes confirmam esse tipo de decisão.

Risco de revisão contratual, embargos e repetição de indébito

Quando configurada a venda casada, abre-se caminho para ações de revisão de contrato, embargos à execução ou pedido de restituição de valores pagos indevidamente. Essa possibilidade traz insegurança jurídica e administrativa para o banco, mas é uma ferramenta concreta para o produtor.

Como identificar a venda casada no crédito rural: checklist prático

Aqui está um roteiro para o produtor detectar indícios de venda casada em operações de crédito rural:

  1. Foi exigida a contratação de seguro ou outro produto/serviço como condição para liberação do crédito?
    Se sim, investigar se a exigência era obrigatória ou se havia opção de recusa.
  2. Foi dada liberdade ao produtor para escolher seguradora ou empresa prestadora de serviço?
    Se o banco impôs uma seguradora ou empresa única, isso pode indicar venda casada.
  3. Houve comunicação clara e transparente sobre a exigência adicional?
    O princípio da transparência e boa-fé contratual exige que o produtor saiba exatamente que a contratação era opcional ou não.
  4. A contratação de produto/serviço era exigida por lei ou regulamento para aquele crédito específico?
    Em algumas operações, por exemplo para garantias específicas ou programas públicos de seguro agrícola, pode haver previsão legal que exige seguro ou garantia, nesse caso, não se configura necessariamente venda casada.
  5. Documentação existe e está assinada?
    Guarde contrato de financiamento, comprovantes de oferta ou exigência de produto adicional, extratos, comunicações de crédito, etc. Isso será útil caso seja necessário questionar judicialmente. 

Medidas práticas para o produtor rural 

  • Exija contrato escrito e leia atentamente todas as cláusulas, especialmente as que falam de seguros, garantias e produtos vinculados.
  • Pergunte expressamente: “Posso escolher a seguradora?” e “A contratação do serviço X é obrigatória para liberação de crédito?”
  • Guarde todos os documentos (proposta de crédito, comunicação do banco, extratos, e-mails).
  • Em caso de dúvida, recuse temporariamente a contratação até buscar orientação jurídica ou da associação de produtores.

Perguntas frequentes (FAQ)

1. A venda casada no crédito rural sempre é ilegal?
Não necessariamente em todos os casos. Se o serviço exigido está legitimamente previsto por lei ou regulamento, ou se o produtor tem efetiva liberdade de escolha, pode não se configurar venda casada. 

2. Seguro agrícola ou seguro de máquinas pode ser exigido?
Sim, desde que haja previsão legal ou regulatória, ou seja exigência vinculada à operação de crédito, e que o produtor tenha a possibilidade de escolher entre diferentes seguradoras. Já a imposição de seguradora única ou sem opção de recusa pode configurar venda casada. 

3. Quais são as consequências se for configurada a venda casada?
O produtor pode pleitear anulação da cláusula abusiva, restituição de valores pagos indevidamente, revisão contratual ou embargos à execução, entre outras medidas. 

4. Como denunciar essa prática?
Você pode registrar reclamação na plataforma Portal Consumidor.gov.br, procurar os órgãos de defesa do consumidor (Procon), ou buscar assessoria jurídica especializada.A prática da venda casada no crédito rural representa uma afronta aos direitos dos produtores e ao espírito de fomento da atividade agrícola. Conhecer a legislação, os mecanismos de proteção e ter atenção nos contratos é fundamental para evitar prejuízos e garantir que o crédito rural cumpra sua finalidade de impulsionar a produção.
Se você é produtor rural ou atua no agronegócio, não deixe de acompanhar as mudanças legislativas, exigir clareza e escolher bem os serviços vinculados. E se houver indício de venda casada, aja rapidamente.

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