Neste artigo vamos falar sobre a intimação pessoal e prescrição intercorrente no processo de execução.
A prescrição intercorrente acontece quando se perde a chance de exigir um direito, porque não houve um ato durante um determinado tempo no curso do processo.
No sentido amplo, a prescrição é um instituto de direito material, podendo ser compreendida como a perda da pretensão ou da exigibilidade da pretensão em juízo.
Diante de uma determinada relação jurídica, é evidente o momento em que se inicia a contagem do prazo prescricional (termo a quo): a partir da violação do direito – art. 189 do Código Civil.
Todavia, a questão traz novas reflexões quando analisamos a prescrição dentro de um processo de execução em andamento, que é a denominada prescrição intercorrente.
Nesse caso, a prescrição somente pode ocorrer após a paralisação injustificada em decorrência da prolongada inércia do exequente.
O que é prescrição intercorrente?
O legítimo interesse das partes é essencial para o devido andamento de qualquer processo judicial, incluindo o processo de execução.
No entanto, se o credor interessado deixar de agir e, assim, paralisar o andamento da execução, haverá a inércia desta parte processual.
Assim, é evidente o desinteresse processual da parte credora e, diante disso, aplica-se o instituto da prescrição intercorrente.
Atenção! A prescrição intercorrente no processo de execução se aplica apenas ao credor (exequente), quando ele deixar de praticar os atos processuais em qualquer fase da execução.
Portanto, esse instituto não se aplica ao devedor (executado), porque ele teria apenas vantagens por ficar inerte aos atos processuais.
Assim, se o executado verificar que o exequente está inerte por prazo superior ao da prescrição da execução, poderá peticionar ao juízo.
A intenção da prescrição intercorrente é evitar que os processos se arrastem por anos, travando ainda mais o sistema judiciário do país.
Com isso, essa prescrição se relaciona aos demais princípios, como duração razoável do processo e da celeridade processual.
Histórico da intimação pessoal e a prescrição intercorrente no processo de execução
Sabemos que a intimação judicial é uma notificação por escrito, emitida pelo juiz responsável pelo processo.
Caso não haja o cumprimento da intimação, pode haver consequências graves. No caso do processo de execução, se não houver o pagamento da dívida, pode acontecer a penhora e o leilão dos bens do devedor.
Agora, vamos conhecer o histórico sobre a intimação pessoal e a prescrição intercorrente no processo de execução.
Súmula n° 150 do STF
Não há divergência quanto a análise do prazo para ocorrência da prescrição intercorrente, pois se aplica o enunciado da Súmula n° 150 do STF que diz:
“Prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação”.
Portanto, se o prazo prescricional for de 3 anos, apesar de iniciada a execução antes do prazo prescricional, e após a citação válida houver interrupção da prescrição ou o processo for abandonado por igual período, ocorrerá a prescrição intercorrente.
No entanto, vamos analisar essa súmula junto ao potencial equívoco no entendimento consolidado no STJ e em alguns Tribunais locais – que surgiu em 1993 e perdurou até 2015.
Código Civil de 2002
Vamos analisar os arts. 205 e 206 do Código Civil, que são os prazos mais comuns de prescrição.
Art. 205 do Código Civil
No art. 205 do Código Civil, o prazo estabelecido é o geral, ou seja, aquele aplicado em casos que a lei não tenha fixado.
Então, conforme esse artigo é determinado o prazo de 10 anos, que também se aplica à prescrição intercorrente.
Art. 206 do Código Civil
O art. 206 do Código Civil, por sua vez, estabelece prazos prescricionais específicos. Dessa forma, traz o rol com hipóteses e as prescrições correspondentes.
O §1° do art. 206, CC, traz as especificações dos prazos de 1 ano. Podemos ver como exemplo, a prescrição intercorrente a hospedeiros e fornecedores, conforme abaixo:
§ 1º Em um ano:
I – a pretensão dos hospedeiros ou fornecedores de víveres destinados a consumo no próprio estabelecimento, para o pagamento da hospedagem ou dos alimentos;
II – a pretensão do segurado contra o segurador, ou a deste contra aquele, contado o prazo:
a) para o segurado, no caso de seguro de responsabilidade civil, da data em que é citado para responder à ação de indenização proposta pelo terceiro prejudicado, ou da data que a este indeniza, com a anuência do segurador;
b) quanto aos demais seguros, da ciência do fato gerador da pretensão;
III – a pretensão dos tabeliães, auxiliares da justiça, serventuários judiciais, árbitros e peritos, pela percepção de emolumentos, custas e honorários; […]
Já os §2° a §5° trazem as especificações sobre outras prescrições, incluindo a prescrição intercorrente, que ocorrem entre 2 a 5 anos, a depender de cada situação:
§ 2º Em dois anos, a pretensão para haver prestações alimentares, a partir da data em que se vencerem.
§ 3º Em três anos:
I – a pretensão relativa a aluguéis de prédios urbanos ou rústicos;
II – a pretensão para receber prestações vencidas de rendas temporárias ou vitalícias;
III – a pretensão para haver juros, dividendos ou quaisquer prestações acessórias, pagáveis, em períodos não maiores de um ano, com capitalização ou sem ela;
IV – a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa;
V – a pretensão de reparação civil;
VI – a pretensão de restituição dos lucros ou dividendos recebidos de má-fé, correndo o prazo da data em que foi deliberada a distribuição;
VII – a pretensão contra as pessoas em seguida indicadas por violação da lei ou do estatuto, contado o prazo:
a) para os fundadores, da publicação dos atos constitutivos da sociedade anônima;
b) para os administradores, ou fiscais, da apresentação, aos sócios, do balanço referente ao exercício em que a violação tenha sido praticada, ou da reunião ou assembléia geral que dela deva tomar conhecimento;
c) para os liquidantes, da primeira assembléia semestral posterior à violação;
VIII – a pretensão para haver o pagamento de título de crédito, a contar do vencimento, ressalvadas as disposições de lei especial;
IX – a pretensão do beneficiário contra o segurador, e a do terceiro prejudicado, no caso de seguro de responsabilidade civil obrigatório.
§ 4º Em quatro anos, a pretensão relativa à tutela, a contar da data da aprovação das contas.
§ 5º Em cinco anos:
I – a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular;
II – a pretensão dos profissionais liberais em geral, procuradores judiciais, curadores e professores pelos seus honorários, contado o prazo da conclusão dos serviços, da cessação dos respectivos contratos ou mandato;
III – a pretensão do vencedor para haver do vencido o que despendeu em juízo.
Desse modo, no Código Civil de 2002 tivemos enorme avanço em relação às disposições sobre o instituto da prescrição.
Antiga jurisprudência do STJ
No entendimento do STJ, era requisito para início da prescrição intercorrente no processo de execução:
A prévia intimação pessoal do devedor (exequente) para dar andamento ao processo – assim como se exige em relação à extinção do processo por abandono por mais de 30 dias; desse modo, se não houver essa intimação e for constatado o absoluto abandono do processo pela parte exequente, não se consumaria a prescrição intercorrente.
Veja o julgado do STJ:
“A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de ser necessária a intimação pessoal do credor antes de reconhecer a prescrição intercorrente”. (AgRg no AREsp 593.723/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, DJe 24/04/2015).
Nesse caso, para se extinguir um processo diante de uma inércia de apenas 30 dias, é coerente que seja exigido a prévia intimação pessoal da parte, para dar andamento ao processo no prazo de 48h sob pena de extinção.
Todavia, havendo o abandono processual por 5, 10 ou 15 anos, não faz sentido o entendimento de que seria exigível igualmente o mesmo requisito, ou seja, a prévia intimação pessoal da parte exequente.
Até porque se o processo foi abandonado e a parte tiver sido pessoalmente intimada para dar andamento, após 48h de inércia da intimação já será suficiente para se extingui-lo.
O equívoco do entendimento, até então adotado, decorre do fato de o CPC/73 e o CPC/15 não ter regras jurídicas que exijam a intimação pessoal como base para se iniciar a prescrição intercorrente.
Mesmo com a ausência de previsão no CPC/73, já existia regra em sentido oposto, ou seja, não haveria a necessidade da prévia intimação pessoal para início da prescrição intercorrente.
O art. 202 do Código Civil/02, diz em seu parágrafo único:
“A prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou do último ato do processo para a interromper”.
Vamos verificar agora as novas previsões legais trazidas pelo CPC de 2015.
Prescrição intercorrente no novo CPC de 2015
Finalmente, com a chegada do CPC/15, o Superior Tribunal de Justiça passou a realizar a devida interpretação das normas jurídicas, a partir do REsp. n° 1.522.092-MS.
Na decisão, foi entendido que não há necessidade de prévia intimação pessoal do credor (exequente) para dar andamento ao processo, porque se considera o abandono do processo pela parte exequente como termo inicial da prescrição intercorrente.
No entanto, o CPC/15 não trouxe nova regra jurídica, apenas regulamentou a prescrição intercorrente no processo de execução quando não localizados bens passíveis de penhora.
Nesse caso, se constatada a ausência de bens, o juízo deve determinar a suspensão do processo por um ano.
Ultrapassado esse prazo, de forma automática e sem a necessidade de intimação pessoal do credor (exequente), se inicia a prescrição intercorrente.
Pois bem! A jurisprudência tardou, mas finalmente modificou:
“A Terceira Turma do STJ modificou seu entendimento para adotar a tese de que a ocorrência da prescrição intercorrente será reconhecida quando o exequente permanecer inerte por prazo superior ao de prescrição do direito material vindicado, sendo prescindível a sua intimação pessoal prévia, bastando que seja respeitado o princípio do contraditório”.
Portanto, tivemos enorme avanço após o CPC/2015, visando a segurança jurídica do executado e, ainda, reduzindo as execuções intermináveis no judiciário brasileiro.
Atual jurisprudência do STJ sobre a intimação pessoal e a prescrição intercorrente
Uma enorme mudança no entendimento do STJ foi a possibilidade de se decretar a prescrição intercorrente, sem a necessidade de se intimar, pessoal e previamente, a parte exequente, a fim de o credor dar andamento à execução.
Na quarta tese do IAC nº 1, estabeleceu-se que deve, sim, haver a intimação prévia da parte exequente, mas no sentido de o credor se defender da ocorrência da prescrição intercorrente.
Ou seja, que apresente fatos impeditivos, interruptivos ou suspensivos da prescrição. Veja:
1.4. O contraditório é princípio que deve ser respeitado em todas as manifestações do Poder Judiciário, que deve zelar pela sua observância, inclusive nas hipóteses de declaração de ofício da prescrição intercorrente, devendo o credor ser previamente intimado para opor algum fato impeditivo à incidência da prescrição.
Um argumento contundente trazido no IAC 1 para respaldar essa mudança de posicionamento, foi que a conduta de se condicionar a decretação da prescrição intercorrente ao ato de intimar de forma prévia a parte para dar andamento, configura uma equiparação da prescrição intercorrente ao instituto do abandono de causa.
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